Tertuliano e a doutrina da Trindade █ DESENVOLVIMENTO

Não são poucos os religiosos de diversas igrejas que afirmam que os chamados “Pais da Igreja” ensinavam a doutrina da Trindade. Citam Tertuliano e seus escritos a fim de demonstrarem que a Trindade é um ensinamento desde o 2º século.

Tertuliano foi um advogado romano, que se converteu ao cristianismo, e pouco tempo depois deixou o tronco principal da igreja e se filiou a um movimento cristão fundado por um crente chamado Montano. 

Influenciado pelo Montanismo

montanismo foi um movimento supostamente cristão fundado por Montano por volta de 156-157 (ou 172), que se organizou e se espalhou em comunidades na Ásia Menor, em Roma e no Norte de África. Por ter se originado na região da Frígia, Eusébio de Cesareia relata em sua História Eclesiástica (V.14-16) que ela era chamada de “Heresia Frígia” na época.

Montano afirmava possuir o dom da profecia, e que havia sido enviado por Jesus Cristo para inaugurar a era do Paráclito. Duas mulheres que o acompanhavam, Priscila (ou Prisca) e Maximila #, afirmavam que o Espírito Santo falava através delas. *

Foi como um seguidor do Montanismo que Tertuliano começou a postular ideias que mais tarde vieram a fazer parte da moderna doutrina da Trindade. Tertuliano começou a buscar uma alternativa a igreja tradicional por fazer parte de um movimento mais conservador e austero. Por isso se identificou com o Montanismo.

O modalismo já estava se espalhando entre os professos cristãos, ao afirmarem que Deus ora aparecia como o Pai, ora como o filho. Foram segundo eles, “modos” de operação de Deus, dando início ao que foi chamado de modalismo e posteriormente sabelianismo. Assim acreditava-se que Deus no Antigo Testamento está no modo de Pai, e no Novo Testamento no modo de Filho.

Na época do surgimento destes conceitos e terminologias desconhecidas das Escrituras, naquele tempo ainda não se colocava o “Espírito Santo” em pauta como uma terceira “pessoa”.  Tertuliano, então, combateu o modalismo escrevendo uma longa apologia contra um cristão modalista chamado Praxeas, apontado-o como quem havia estabelecido o modalismo em Roma. ( ADVERSUS PRAXEAN)

Os trinitários adoram esta obra, visto que nela procuram de forma ávida apoio para a doutrina da Trindade.

A Trindade de Tertuliano uma inovação teológica e diferente da moderna Trindade

Curiosamente, nos escritos de Tertuliano Contra Praxeas, surge um cenário bem diferente daquele que os trinitaristas esperavam! Estes escritos de Tertuliano são registros que, a despeito de seu embate teológico, oferecem informações de relevância histórica muito elucidativas!  Aborda não somente como Tertuliano cria, mas a partir das críticas dele ali expressas, também revela como acreditavam as massas cristãs, tanto gregas quanto latinas da época.

Consideremos, por exemplo, que é Tertuliano mesmo quem diz:

“Os simples, de fato (não vou chamá-los de tolos ou ignorantes), que sempre constituem a maioria dos fiéis, estão chocados com a dispensação (dos Três em Um)”. ( Sublinhado é meu)

Chocados do latim “expavescunt” que também significa “grande horror”. Posteriormente em suas dissertações Tertuliano  fala deste espanto  como atingindo outros quando diz que afetou “até mesmo latinos (e ignorantes também)”.

Essa forma de crítica de Tertuliano revela que a grande maioria, ou quase a totalidade dos cristãos, não apoiavam as ideias mescladas com filosofia em sua abordagem sobre a natureza de Deus. Eles nunca tinham ouvido falar de “três em um”, era natural que estranhassem. Fica claro que a trindade era completamente desconhecida pela maioria dos crentes daquela época.

Os trinitários Sesboue e Wolinki, desenvolvendo os eventos que envolviam aquela época, escrevem:

“o dogma do ‘Deus único’ parece a alguns duplamente ameaçado: por Marcião e os gnósticos, que falam de ‘outro Deus’ ou de ‘dois “Deuses’, e pela nova teologia dos que falam de uma Trindade engajada nas ‘economias’” (O Deus da Salvação, Bernard Sesboue e J. Wolinki – pág. 159.) (Sublinhado é meu)

Após uma avaliação mais detida, fica evidente que a chamada “Doutrina da Trindade” era coisa nova e não o contrário.

A quem se referiu Tertuliano, quando diz que foi melhor instruído pelo Paracleto? 

A ideia de Montano como sendo o Espírito Santo ficou tão vívida em certas regiões que uma inscrição descoberta na Numídia registra: “Flávio, antepassado da família. Em nome do Pai, do Filho [e] do Senhor Montano. O que ele prometeu realizou” (Labrionte citado por – Jaroslav Pelikan em A Tradição Cristã, Vol 1 – Uma História do Desenvolvimento da Doutrina – O Surgimento da Tradição Católica 100-600, 1ª Edição 2014, Ed. Shedd, pág. 120).

Tertuliano achava que Montano era a encarnação do Paracletos, surgiu assim em Tertuliano a ideia da terceira pessoa da trindade. O erudito e professor de História do Cristianismo em Yale, Jaroslav Pelikan, afirmou sobre isso:

É mais exato sugerir que o montanismo ensinou Tertuliano a pensar no Paracleto em termos mais pessoais do que ele fazia em suas primeiras obras para que ele chegasse a uma doutrina da Trindade mais metafísica”, e acrescenta “Os primeiros escritos de Tertuliano tendiam a enfatizar o Pai e o Filho à custa do Espírito Santo”.

Observe o que escreveu Tertuliano em  Contra Praxeas 9.2:

Pois o Pai é a inteira substância (pater enim tota substantia est); o Filho é derivação e porção do todo (filius vero derivatio tortius et portio)”.

E falando da palavra “THEÓS” sendo aplicada a Jesus, Tertuliano disse:

 “Pois eu posso dar o nome de ‘sol’ até mesmo para um raio de sol, considerado em si mesmo; mas se eu for mencionar o sol de onde o raio emana, eu certamente devo imediatamente abandonar o uso do nome de sol para o mero raio.” (Contra Praxeas, cap. 13).

A palavra latina “trinitas” foi usada por Tertuliano para elencar Pai, Filho e Espírito Santo como seres distintos, mas não como coiguais ou coeternos por causa da consubstanciação entre as três pessoas. Na verdade, o conceito de coigualdade ou mesmo de consubstancialidade não era de aceitação geral nos dias de Tertuliano, pelo contrário, nem entre os latinos, nem, segundo ele, entre os gregos havia aceitação dessa doutrina.

Ao falar de “substância”, por exemplo, tertuliano não está se referindo a “natureza hipostática”, nem está evocando características metafísicas da Divindade; mas leva em conta, como advogado que era, sua conotação jurídica conforme esclarece Justo L. González:

O termo ‘substância’ deve ser entendido aqui, não num sentido metafísico, e sim num sentido legal. Dentro deste contexto, ‘substância’ é a propriedade e o direito que uma pessoa tem de fazer uso dessa propriedade. No caso da monarquia, a substância do Imperador é o Império, e é isto que torna possível para o Imperador partilhar sua substância com seu filho – como de fato era comum no Império Romano. ‘Pessoa’, por outro lado, deve ser entendida como ‘pessoa jurídica’ e não no sentido comum. ”

Em Contra Praxeas ele diz: “Eu preferiria que você ao contrário pensasse no significado da coisa do que no som da palavra”, ou seja, ainda que tenham sons iguais “Substância” e “Pessoa”, em Tertuliano não tem conotação metafísica ou ontológica, mas jurídica.

Longe de ensinar a moderna doutrina da Trindade, Tertuliano fez parte dos que iniciaram uma onda de apostasia ou “desvio” da verdade. Por recorrer a mitos, idéias místicas e filosofia para explicar a fé cristã, homens como Montano e Tertuliano abriram caminho para uma onda de falsidades.

Durante o primeiro século, o apóstolo João alertou: “Amados, não acrediteis em toda expressão inspirada, mas provai as expressões inspiradas para ver se se originam de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora.” (1 João 4:1) Como essas palavras foram apropriadas!

Em vez de se opor a essa onda crescente de apostasia, os chamados “Pais da Igreja” entraram nela. Eles envenenaram a verdade. O apóstolo João disse o seguinte sobre pessoas assim: “Todo aquele que se adianta e não permanece no ensino do Cristo não tem Deus.” (2 João 9)

 

Tertuliano citou declarações polêmicas e ficou conhecido pelas suas declarações paradoxais, ou aparentemente contraditórias, tais como estas: “Deus é então especialmente grande quando Ele é pequeno.” “Deve-se crer de todos os modos [na morte do Filho de Deus], porque ela é absurda.” “[Jesus] foi sepultado, e voltou a viver; o fato é certo, porque é impossível.

Embora talvez quisesse que os seus escritos defendessem a verdade e a integridade da igreja e das doutrinas dela, na realidade ele corrompeu os verdadeiros ensinos. Sua contribuição principal para a cristandade foi uma teoria sobre a qual escritores posteriores elaboraram a doutrina da Trindade. Tertuliano iniciou o seu ensaio intitulado Adversus Praxeas (Contra Praxeas) dizendo: “O diabo, de diversas maneiras, rivalizou a verdade e resistiu a ela. Às vezes, seu objetivo era o de destruir a verdade por defendê-la.”  Mal sabia ele que fazia justamente isto!

Tertuliano mostrou que as Escrituras faziam uma nítida distinção entre o Pai e o Filho. Depois de citar 1 Coríntios 15:27, 28, argumentou: “Aquele que sujeitou (todas as coisas), e Aquele a quem foram sujeitas — necessariamente têm de ser dois Seres diferentes.” Tertuliano chamou atenção para as próprias palavras de Jesus: “O Pai é maior do que eu.” (João 14:28) Usando partes das Escrituras Hebraicas, tais como o Salmo 8:5, ele mostrou como a Bíblia descreve a “inferioridade” do Filho. “De modo que o Pai é diferente do Filho, sendo maior do que o Filho”, concluiu Tertuliano. “Visto que Aquele que gera é um, e Aquele que é gerado é outro; também Aquele que envia é um, e Aquele que é enviado é outro; e, de novo, Aquele que faz é um, e Aquele por meio de quem a coisa é feita é outro.”

Uma obra de referência declara: “A teologia trinitária precisou da ajuda de conceitos e categorias helenísticos para ser desenvolvida e expressa.” E o livro The Theology of Tertullian (A Teologia de Tertuliano) observa:

[Era] uma mistura curiosa de idéias e termos jurídicos e filosóficos, que habilitaram Tertuliano a elaborar a doutrina trinitária numa forma que, apesar das suas limitações e imperfeições, forneceu a estrutura para a posterior apresentação da doutrina no Concílio de Nicéia.

Portanto, a fórmula de Tertuliano — de três pessoas numa só substância divina — desempenhou um grande papel na divulgação dum erro religioso em toda a cristandade.



 

 

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